Finitude Podcast — Como lidar com a comunicação de más notícias

Finitude Podcast
15 min readNov 2, 2020

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Descrição do episódio:

Você já passou por uma internação ou pela experiência de perder alguém em uma clínica ou hospital? Se sentiu totalmente acolhido pela equipe de saúde? Você sabia que existe um passo a passo de como a comunicação de uma má notícia deve acontecer? Neste episódio, falamos de alguns bastidores da engrenagem da saúde e também trazemos dicas de como podemos dar uma má notícia para alguém.

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O podcast Finitude foi criado por Renan Sukevicius e é apresentado por Juliana Dantas.

O Finitude foi condecorado com a Menção Honrosa no Prêmio Vladimir Herzog 2020, pelo episódio “Confinamento: 3 meses depois”.

Somos um dos podcasts de fundação da Rádio Guarda-chuva, que é a primeira rede brasileira dedicada exclusivamente a podcasts jornalísticos.

Episódios novos no seu tocador toda terça-feira. Você pode encontrá-los no Spotify, Orelo, Deezer, Apple Podcasts, Google Podcasts e demais agregadores. Para contatos comerciais, escreva para finitudepodcast@gmail.com.

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ROTEIRO:

{Vinheta da Rádio Guarda-chuva: este podcast é uma produção da Rádio Guarda-chuva. Jornalismo para quem gosta de ouvir. Ouve-se o som de um guarda-chuva abrindo e da chuva caindo}

Voz feminina:

{Quando a gente fala de comunicação, a gente ta falando de algo que vem do latim, que é “tornar comum”. E quando a gente fala de má notícia, a gente ta falando de uma quebra de expectativa, de alguma ameaça a algo que é importante pra alguém.}

Apresentadora:

Uma demissão inesperada.

O cancelamento de uma viagem de férias muito desejada.

O término de um relacionamento com quem você amava.

Todas essas são, sem dúvida, más notícias. E quando tem a ver com a nossa saúde ou a condição de quem a gente gosta, pode ser que seja uma situação ainda mais desafiadora.

Eu perdi as contas de quantos relatos já li ou ouvi sobre parentes que perderam pessoas queridas e não se sentiram acolhidos pelas equipes das clínicas ou hospitais. Que não têm certeza se tudo foi feito da melhor forma. O lamento, por vezes, é maior sobre COMO se deu aquele processo de morte do que pelo fato da perda em si. E isso pode ter impacto direto no desenvolvimento do luto que vem a seguir.

Eu sou Juliana Dantas e este é mais um episódio da série Como lidar. Hoje, Como lidar com a comunicação de más notícias.

{TRILHA}

Voz feminina:

{Quando a gente fala de comunicação de más notícias em saúde, às vezes parece que pode ser algo muito intuitivo, né, eu vou lá, eu vou conversar, eu vou falar sobre o que ta acontecendo… Mas de fato, hoje, existem protocolos e técnicas que podem nos auxiliar neste processo.}

Apresentadora:

Uma má notícia, neste contexto, pode ser um diagnóstico de uma doença complicada, a necessidade de um procedimento cirúrgico ou a morte em si.

Você que me ouve, talvez já tenha perdido seu pai, sua mãe… algum de seus avós, um filho, um cachorro. Não é fácil. E se algum evento assim já aconteceu na sua vida, eu sinto muito.

A gente sabe bem como o chão sai debaixo do pé quando isso acontece.

Voz feminina:

{Eu sou Mariana Sarkis, eu sou psicóloga, tenho uma formação em terapia familiar sistêmica, Teoria do Apego, também tenho uma formação em psicologia hospitalar e luto. Hoje eu, né, trabalho na área hospitalar, também com uma equipe de cuidados paliativos, e também hoje sou docente de alguns cursos e supervisora no Quatro Estações Instituto de Psicologia e também sou membro da Academia Nacional de Cuidados Paliativos em São Paulo, na parte de diretoria científica.}

Apresentadora: Toda profissão tem seus bastidores. Entre as equipes de saúde, então, existe uma série de protocolos e dinâmicas que a gente, como paciente ou familiar, não faz nem ideia.

E quem vai nos guiar hoje por este universo é justamente a Mariana Sarkis, que acabou de se apresentar.

Mariana Sarkis:

{Quando a gente fala de comunicação, a gente vai falar de conteúdo, informação. Mas a gente também vai falar de emoção. Então a gente também fala, e aí dentro deste contexto de comunicação, a gente tem um comportamento verbal, do conteúdo, mas a gente também tem o comportamento não verbal. E eu não sei se todos sabem, mas o que predomina na nossa comunicação é o nosso comportamento não-verbal. Cerca de 93% da nossa comunicação é de comportamento não-verbal, relacionado às nossas emoções, ao nosso ser psicológico. Desde uma postura corporal, o tom da minha voz, o toque — que até neste contexto da pandemia ta tudo mais difícil, né, Juliana, mas e aí alguns estudos de comunicação em más notícias já trazem que se você tem uma equipe treinada, que faça uma intervenção sistematizada, isso pode ter menos repercussões psicológicas pra família.}

Apresentadora: Neste episódio a gente vai falar sobre as equipes de saúde, mas também um pouquinho sobre as nossas relações de família e amigos e como é que a gente pode melhorar a nossa condução se, infelizmente, a batata quente de uma má notícia cair na nossa mão.

Mas, afinal, é função de quem num hospital entender destas técnicas?

Mariana Sarkis:

{Não é só o psicólogo que cuida de luto. A equipe, à medida em que ela se mostra atenta, preocupada, disponível praquela família e talvez conversar quantas vezes forem necessárias… isso de fato tem uma repercussão no processo de luto. Esse tipo de postura da equipe pode gerar mais continência, segurança dentro de um processo que é muito inseguro, né, Juliana, que a gente não tem garantias, porque as pessoas têm muito medo das suas emoções e das suas reações. Na verdade acho que todo mundo deve ter esse treinamento, né, Juliana, é importante sempre. Porque uma má notícia pode ser desde uma piora do quadro, desde você não estar respondendo ao tratamento, desde você estar morrendo, mas uma má notícia pode ser “você vai ter que fazer uma cirurgia”, “você vai ter que trocar de acesso e vai ter que levar mais uma picada”, e a pessoa já ta cansada… Então todos nós devemos de fato ter uma abordagem sobre isso.}

Apresentadora:

Na nossa série Como lidar, você sabe, sempre tem uma listinha com orientações — que não são um manual, um aprisionamento, mas um guia.

Hoje a gente vai aproveitar o passo a passo de um dos protocolos mais conhecidos a respeito da comunicação de más notícias, que é um protocolo chamado SPIKES. S-P-I-K-E-S.

São SEIS letras e cada uma representa uma etapa. Essas fases formam justamente essa palavra, SPIKES, mas eu prometo que vou te poupar do meu inglês por aqui e já vou te entregar tudo livremente traduzido bonitinho e numerado. Na sequência, a gente fala sobre as más notícias entre amigos e parentes e também sobre se é possível estar preparado pra uma notícia.

Mas bora lá, então, pro passo 1?

Preparação e planejamento:

Mariana Sarkis:

{Quem são as pessoas que vão participar dessa conversa? É sempre importante que tenha um médico, porque as condutas serão definidas por ele, em termos de condutas técnicas, mas que outros membros da equipe podem estar junto? E é muito importante que sejam pessoas que têm afinidade com aquela família, ou que tenham maior vínculo. Isso favorece as nossas conversas também. Traz pra família aquela ideia de que existe um consenso de equipe. Essa equipe está se conversando. Isso gera maior segurança. O espaço físico também é importante de ser preparado. A gente pode estar numa sala, mas a ideia é que a gente não tenha mesas entre a equipe e a família — do ponto de vista simbólico, a mesa é até um obstáculo entre a gente. A gente desligar os celulares. Estar num ambiente onde a gente consiga se escutar e conversar. E aí também tem a preparação em relação à família. Quem são as pessoas que são importantes praquele paciente que estejam nessa conversa, por exemplo? Hoje quando a gente fala de família a gente fala de pessoas que tenham um significado, além do responsável legal. Isso também faz parte da preparação.}

Apresentadora:

Etapa 2

A equipe de saúde precisa avaliar a percepção que o paciente e a família estão tendo daquela circunstância.

Mariana Sarkis:

{A equipe pedir pra família trazer qual é a compreensão que ela vem tendo sobre o quadro do paciente. Que ela possa contar a história de saúde até então, os tratamentos realizados e qual é a percepção e compreensão que ela vem tendo sobre o quadro atual. Isso ajuda a gente a entender se eles estão na mesma página que a gente, se não estão, expectativas e, ao mesmo tempo, a gente pode começar a explorar valores e desejos do paciente e da família. Essa conversa sempre é importante tentar explorar quem é esse paciente. Quais são os valores dele, o que que é importante pra ele. A gente sempre fala numa comunicação que tem que ser clara, honesta, a gente evitar termos técnicos quando a gente for falar da nossa parte também. E aí a gente tenta ouvir essa família neste contexto.}

Apresentadora:

Agora a gente parte para a orientação 3: a equipe de saúde deve consultar os familiares e esperar por um sinal verde pra entrar no assunto:

Mariana Sarkis:

{Pedir permissão pra família pra falar sobre o quadro do paciente e a gente também entender quais são os limites deles em relação às nossas informações. A ideia é que a gente possa falar uma informação por vez. E a gente que a gente possa ir dando títulos, por exemplo, “olha, primeiro eu vou falar da parte do pulmão.”}

Apresentadora:

E à medida em que essa informação vai sendo transmitida, os tópicos se misturam. O quatro dá conta de a equipe dizer em que pé estão as coisas mas, ao mesmo tempo, ir tateando pra entender se até aquele ponto o que é importante está sendo compreendido:

Mariana Sarkis:

{Aí você fala e sempre vai tentando buscar o feedback, então você passa a informação e sempre tenta ver o quanto entenderam do que você ta falando. E usando esses títulos. É muito importante lembrar que na comunicação a gente sempre pode ter alguns obstáculos. Tanto do emissor quanto do receptor. E esses obstáculos são desde as pessoas estão mais tensas, mais preocupadas e a própria emoção dificulta o nosso entendimento. Os nossos preconceitos também às vezes são obstáculos. Então por isso que a gente tentar entender esse feedback e pedir esse feedback é importante, porque às vezes a gente pode ser mal interpretado.}

Apresentadora:

A gente passa agora pro ponto cinco: a abordagem das emoções:

Mariana Sarkis:

{Eu acho que essa etapa a gente deve incluir ela em todas as etapas, na verdade. Então, às vezes a gente vai começar a falar “olha, o pulmão está um pouco pior”. E a gente vê que o semblante da família com aquela cara de medo. Ou alguém que começa a chorar. Às vezes é importante a gente também parar, fazer um silêncio e o silêncio é um aspecto importante dentro da comunicação. O silêncio pode mostrar respeito, pode ser acolhedor. E aí se eu vejo que ta difícil pra pessoa escutar, então a gente para. E a gente pode falar “to vendo que ta difícil pra você. Eu imagino que ta difícil essa conversa”. O “imagino” é importante essa palavra, porque às vezes as pessoas falam “eu SEI que ta difícil”. Mas a gente nunca sabe, né, Juliana, porque quando a gente ta falano de uma comunicação de má notícia a gente ta falando de um paiente que tem um significado diferente pra cada um dos familiares. E esse significado ta muito relacionado em como o quanto essa pessoa ta presente na minha vida, o nosso vínculo, e está associado à questão da perda. “Poxa, eu posso perder.” E o quanto é difícil pensar sobre isso. Então a gente pode ir parando. E a gente pode auxiliar nesses momentos onde aparecem essas emoções, as pessoas a identificarem as suas emoções e até nomear. Ajudar o outro a acessar as suas emoções dentro deste contexto.}

Apresentadora:

A etapa 6 é a última. Aqui, cabe um resumo, mais uma acertada de ponteiros e a definição de estratégias a partir daquele momento:

Mariana Sarkis:

{Quando a gente ta transmitindo as informações e acolhendo as emoções, num contexto, onde a gente vai discutir sobre objetivos de tratamento, que é “se piorar, como a gente vai cuidar?”, a equipe pode trazer as suas recomendações daquilo que ela recomendaria pra um paciente em termos de tratamento, levando em consideração os desejos e valores dele. Esse é um ponto importante, né, pensando num contexto sobre objetivos de tratamento, ta? O planejamento terapêutico, a gente vai falar então sobre quais são os nossos próximos passos a partir do que a gente conversou. A partir do que vocês estão entendendo, a partir do que a gente trouxe em relação sobre como está a doença, a partir do que a gente ta discutindo, qual é o nosso objetivo de cuidado, quais são os próximos e a gente poder alinhar. Importantes tanto pra equipe quanto para o paciente e para a família. Pra que eles tenham também uma mínima sensação de controle dessa situação, já que a gente não tem totais garantias.}

Apresentadora: O protocolo Spikes foi desenvolvido nos Estados Unidos, nos anos 2000, e não é regra pra que se aplique nos hospitais brasileiros — geralmente, os hospitais mais voltados a essa dinâmica são aqueles mais atrelados à abordagem de cuidados paliativos — mas, obviamente, esse protocolo seria bem-vindo em todo e qualquer tipo d.

Mas eu queria virar a página agora, porque eu perguntei pra Mariana Sarkis sobre como lidar com as más notícias entre amigos e parentes:

Mariana Sarkis:

{Sempre quando a gente tenta conversar, a gente tenta chamar o número maior de pessoas que são importantes na vida daquela pessoa. Justamente pra que a gente tente ajudar nessa parte da comunicação entre familiares. Porque quando eu to falando pra minha irmã “olha, a nossa mãe pode morrer”, tem uma sobrecarga em cima de mim também, né? Cada vez que eu falo isso pro outro, eu sinto isso também. Então a gente fala até de você poder dividir com a equipe pra que a equipe te ajude nessa delegação da comunicação. Te ajude neste manejo.}

Apresentadora:

O ideal é evitar julgamentos — e lembrar que o luto não é uma coisa só.

Mariana Sarkis:

{Uma mãe, ela pode ter 5 filhos. Cada filho vai dar um significado diferente praquela relação, praquela mãe. Cada filho tem uma experiência diferente com essa mãe. Então cada um vai reagir de uma forma diferente, né? Então, é muito comum a gente ouvir às vezes “Nossa, esse meu irmão ele não vai reagir bem. Ele vai ficar desesperado, porque ele é o mais apegado à minha mãe.” Não é comum, assim, às vezes as pessoas já terem rótulos, assim? E aí, só que tem talvez o outro que não manifesta, mas ta sofrendo tanto quanto. A manifestação de uma possibilidade de perda às vezes a gente acha que é só alguém chorar, alguém ficar triste, mas o luto antecipatório por ter N manifestações que às vezes não são essas tão esperadas, né? Têm pessoas que se recolhem, têm pessoas que ficam mais isoladas, têm pessoas que ficam com medo, com raiva, então o que acontece entre as famílias é que às vezes existe um julgamento e uma cobrança “Ah, você não ta nem preocupado, você não chora. Você não ta preocupado, você não ta indo lá ver”, né? Será que ele não preocupado, ele não ta indo ver porque ele não quer? Ou porque pra ele emocionalmente ta difícil? Eu fico pensando se tem um jeito de comunicar o seu irmão de que a sua mãe ta muito grave, acho que não tem uma receita. Eu acho que de fato entender o significado dessa mãe pra esse irmão, vocês poderem trocar e se sentirem apoiados eu acho que é o principal. Eu não sei se é tanto a informação, mas que as pessoas possam se sentir apoiadas entre elas porque isso pode dar uma sensação de segurança entre elas, de apoio, um apoio que seja adequado e que a gente possa juntos passar por isso.}

Apresentadora:

Existem algumas medidas bem práticas que podem ser tomadas:

Mariana Sarkis:

{Por exemplo, eu vou te ligar “Olha, Juliana, eu conversei com o médico e as notícias não são tão boas.” Quer dizer, eu já to te falando que eu vou te dar a notícia que não é a que a gente queria. Que isso a própria equipe pode fazer, né, é uma estratégia que a própria equipe usa. “Assim, olha, não são boas e eu to preocupado em como você vai se sentir”. E aí você fala isso pro seu familiar, né? Se a gente puder estar junto e você puder não falar por telefone, estar onde a pessoa está. Ou, olha, eu vou falar por telefone, mas eu acho que uma notícia muito difícil, vou ver se tem alguém por perto pra chegar na casa logo depois. Acho que esses cuidados são importantes. Um ponto que eu queria trazer é que quando a gente fala de comunicação de más notícias, a gente ta falando com famílias que já têm uma dinâmica entre elas em relação à comunicação. Então têm famílias que se comunicam e que existe um respeito à individualidade de cada um, e que têm uma comunicação adequada. Têm famílias que aconteceu um negócio agora, todo mundo já ta sabendo no minuto seguinte. E os grupos de Whatsapp hoje favorecem muito isso, né? Então as pessoas acabam não tendo tanto a sua individualidade, a sua privacidade e, a depender de como as pessoas lidam, as pessoas podem se sentir invadidas, até. E têm famílias que quando acontece alguma coisa hoje, eles só vão conversar sobre isso daqui a uma semana, daqui a um mês. E a gente fala: “mas você conversou com o seu irmão?” / “ah, não, a gente não conversou, não deu tempo”, e aí a gente vê que a dinâmica pela qual a família se comunica previamente, também diz muito de como a gente vai conseguir conversar nestes momentos difíceis.}

Apresentadora:

Por mais que a gente repita aquele clichê de que a morte é a única certeza que a gente tem na vida — e de fato é mesmo -, estar perto de perder alguém querido — ou mesmo se deparar com a nossa própria morte — não é tarefa fácil. Isso sacode a nossa sensação de controle de um jeito assustador. Dá vontade de ter uma receita, uma pílula mágica pra que a gente possa estar PREPARADO. Dá pra gente se preparar, Mariana?

Mariana Sarkis:

{Mas o que é se preparar? Eu sempre pergunto, eu sempre devolvo. Eu não sentir nada, eu não ficar triste? Eu não ter medo? Eu conseguir lidar com essa situação? Porque a preparação e a pessoa achar que ela precisa se preparar pode ser um sinal de cobrança muito grande, né? “Não, eu preciso lidar com isso, eu preciso ser forte, eu preciso me preparar” e cada vez mais a gente tem trabalhado sobre como é importante eu também conseguir cuidar, mas eu também conseguir receber cuidado. Fico pensando se nós enquanto profissionais de saúde, nessas conversas rotineiras se a gente ir falando da evolução do quadro, acolhendo o outro, se isso pode ser uma forma de as pessoas irem entrando em contato com uma possibilidade de perda e ir digerindo aos poucos. As doenças crônicas nos permitem isso, diferentemente de doenças agudas. Eu não gosto tanto deste termo de preparação, mas eu acho que essas conversas, de certa forma, favorecem que o outro entre em contato com a possibilidade da perda, com as suas emoções relacionadas a isso. Mas ele também pode começar a entrar em contato com as suas estratégias de enfrentamento, com a sua reorganização psicossocial. Mas achar que a gente prepara alguém pra perder e que o outro não vai sentir nada, acho que é difícil. Acho que é natural e acho que, na verdade, a gente deve preparar as pessoas pra elas se permitirem sentir aquilo que elas devem sentir, sem regras, sem normas. Porque o luto é isso. Ele é individual, subjetivo e ele não tem normas. Cada um vai viver de uma forma. Nesses protocolos de comunicação de más notícias, a gente fala em trabalhar esperanças alcançáveis e acolher esperanças inatingíveis. Então às vezes a gente também pode falar, quando a gente vê que alguém ta triste, ou com medo, ou com raiva, em termos de acolhimento de emoção “eu gostaria que fosse diferente também. eu gostaria que a gente tivesse conversando de coisas diferentes”. Mas que isso de fato seja genuíno, né, se a gente estiver sentindo isso, que a gente possa trazer isso pro outro. Dizendo “poxa, eu esperava que isso também fosse diferente. É muito difícil você comunicar com esperança, eu acho que esse é o nosso grande desafio, Juliana.}

Apresentadora:

“Trabalhar esperanças alcançáveis e acolher esperanças inatingíveis”. Eu to com essa frase ecoando aqui na minha cabeça desde que fiz a entrevista com a Mariana Sarkis — a quem eu agradeço pela conversa, pelo compartilhamento de tanta informação importante — e de tanta humanidade também.

O ouvinte mais antigo já deve ter me ouvido falar em algum episódio aqui do Finitude a respeito das minhas perdas pessoais. Meu pai e a minha avó materna morreram em 2018, sob cuidados paliativos. E eu senti que este fluxo de comunicação de más notícias funcionou perfeitamente bem no nosso caso. Isso foi um grande privilégio. Mas eu gostaria que não fosse pra poucos. Ter este respeito, esta possibilidade de ir tateando de maneira segura nesse quarto escuro que é a morte foi fundamental pra mim. Os impactos na elaboração dos meus lutos de maneira saudável vêm daí: de ter me sentido respeitada, com o controle possível da situação. Todo mundo, de verdade, merecia o mesmo.

{TRILHA DE ENCERRAMENTO}

O Finitude desta semana vai chegando ao fim mas, acabando aqui, já muda de janelinha e busca aí no seu tocador pelo Budejo. Eles são nossos parceiros na Rádio Guarda-chuva, que é a primeira rede brasileira de podcasts exclusivamente jornalísticos. No episódio mais recente, o podcast que leva o Cariri aos seus ouvidos falou sobre o impacto das redes sociais nas eleições. Mais atual impossível, né não?

E, oh, eu já ia me esquecendo: nosso colunista Tom Almeida, criador do movimento inFINITO, segue em férias e volta por aqui em breve, ta bom?

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O Finitude volta aqui pro seu radinho na terça que vem. Até lá, você me encontra no Instagram como finitudepodcast e, no Twitter, como podcastfinitude.

Eu vou ficar te esperando. Obrigada pela escuta, um beijo pra você.

{Vinheta da rede B9 que diz: este podcast é apresentado por b9.com.br}

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