Finitude Podcast — Como lidar com as redes sociais

Finitude Podcast
12 min readNov 17, 2020

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Descrição do episódio:

Compartilhamos tudo sobre nós e sobre os outros nas redes sociais, e somos instigados o tempo todo a reagir e esses acontecimentos. Não seria diferente na morte. Mas, nesse caso, nem todo comentário é válido. E não é uma questão de querer impor um manual ou burocratizar as relações humanas, mas a gente não pode perder de vista que o luto é um processo que pode ser extremamente sensível — e não gerar novas dores ou desconfortos no outro precisa ser uma preocupação nossa. Vem saber Como lidar com as redes sociais no episódio de hoje!

{Vinheta da Rádio Guarda-chuva, em que uma voz feminina diz: este podcast é uma produção da Rádio Guarda-chuva. Jornalismo para quem gosta de ouvir.}

Narração da apresentadora:

Nome.

Data de nascimento.

Uma mudança de emprego. Um novo relacionamento.

Comentários sobre aquela nova série que ta bombando ou sobre a rodada do campeonato no fim de semana. A foto do prato de domingo.

Se compartilhar quase tudo sobre a nossa vida é um hábito comum nas redes sociais, quando a morte dá as caras, ou pelo menos se avizinha, também lançamos mão dos mesmos recursos. E isso traz alguns desafios.

{TRILHA DE ABERTURA}

Eu sou Juliana Dantas e este é mais um episódio da série “Como lidar”. Hoje, “Como lidar com as redes sociais”.

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Por um lado a tecnologia une.

E inclusive especialmente neste ano, em que o online se apresentou como a opção mais segura pra que a gente mantenha o isolamento físico, mas não social….

Por outro ela, a tecnologia, pode causar efeitos pouco desejados em situações em que um adoecimento grave ou a morte em si é comunicado.

Já deve ter acontecido com você, né?

Ta ali com o celular na mão, passa pelo post de um amigo com foto de um cãozinho, pelo cartão de boa tarde com um pôr-do-sol alaranjado daquela sua tia um pouco confusa com a tecnologia…. O mêsversário do filho do seu amigo de infância. Mais um dia normal ali zapeando nas redes até que opa, você vê que a mãe do seu colega de trabalho morreu. O avô do vizinho foi levado pela Covid. O cachorro da sua prima precisou passar por uma eutanásia.

Pode ser que seus dedos se paralisem no teclado sem saber o que escrever.

Ou, na ansiedade de dizer alguma coisa logo, você digite a primeira ideia que pingou na sua cabeça e talvez cometa algum deslize.

No fim das contas, a gente se sente meio impotente, né? Uma linha tênue entre nada parecer suficiente ou tudo parecer meio demais.

Se você já se viu nesta corda bamba pra fazer um postagem ou um comentário num comunicado de alguém, você não ta sozinho. É difícil mesmo. E eu arrisco dizer que não foi a primeira e nem será a última vez em que você vai se deparar com alguns destes dilemas.

Por causa disso, o Finitude foi lá pra Inglaterra porque é lá em que vive uma psicóloga brasileira que estuda o morrer e o luto nas mídias sociais. E tem uma longa tese sobre legado digital — que é um assunto ainda pouco abordado, mais pra frente neste episódio a gente vai falar um pouquinho a respeito.

Mas, calma, gente, a nossa ida pra Inglaterra foi com auxílio, justamente, dos recursos online. A gente jamais faria uma viagem na pandemia. Mas, mesmo sem pandemia, a gente também não teria verba. Então se você quiser patrocinar o Finitude pode ficar à vontade, me escreve pra finitudepodcast@gmail.com que a gente conversa. Ou, se quiser espalhar a palavra do nosso financiamento coletivo por aí… quem sabe, né? apoia.se/finitudepodcast é o caminho :)

Nazaré Jacobucci é a nossa guia de hoje neste episódio. Especialista em psicologia hospitalar e também em perdas e luto. Entre outras coisas, ela se dedica a entender como estamos lidando com essa transferência do presencial pro online.

Nazaré Jacobucci:

{Quando falamos sobre uma etiqueta para a morte e para o luto nas mídias sociais nós temos que, sim, seguir algumas regras}

Apresentadora: Não é uma questão aqui de querer impor um manual ou burocratizar as relações humanas, mas a gente não pode perder de vista que o luto é um processo que pode ser extremamente sensível — e não gerar novas dores ou desconfortos no outro precisa ser uma preocupação nossa.

E é por isso que a nossa listinha, clássica dos episódios desta série “Como lidar”, já ta na mão:

1 [sonzinho] Não devemos falar sobre o falecimento de um amigo ou parente ANTES de o núcleo duro familiar ter comunicado. Se alguém próximo a quem partiu souber de qualquer jeito, por vias pouco cuidadosas ou impessoais, por exemplo, o desenvolvimento do luto pode vir a se complicar:

Nazaré Jacobucci:

{A pessoa pode, de fato ter uma reação, por exemplo, de choque, ou uma crise de ansiedade, por conta daquela notícia. Por exemplo, eu já tive uma paciente que soube de um suicídio, da morte de um ente querido, e ela soube desta morte pelo Facebook. E ela teve, sim, um complicador, ela acabou desenvolvendo uma ansiedade e, por muito tempo, não conseguia acessar nenhuma mídia, nem mesmo e-mail. Então, sim, isso pode ser um complicador.}

Apresentadora:

2 [sonzinho] O que dizer diante da perda de um ente querido?

Nazaré Jacobucci:

{Eu sempre digo que o melhor comentário que temos é aquele que é o básico e simples. É “sinto muito”, né, “por sua perda. Meus sentimentos. Caso você precise de algo, eu estou aqui.” Ponto. Você ta dizendo para o outro “olha, eu to aqui se você precisar”, né? “Conte comigo.” E ali você já demonstrou que você está disponível para cuidar daquela dor daquela pessoa, caso ela queira, caso ela precise. Uma dica é não fazer posts muito longos nos comentários quando alguém comunica uma morte.}

Apresentadora:

Agora… E o que NÃO dizer num post sobre a partida de um ente querido, hein? A ideia é não transpor as suas crenças ou dores para o outro. Nem sempre o outro acredita em Deus ou tem o mesmo tipo de fé que você. Os seus medos e temores certamente não são os mesmos da outra pessoa.

É a nossa sugestão de número TRÊS: [sonzinho]

Nazaré Jacobucci:

{Esses tipos de comentário “foi melhor assim”/ “ele está num lugar muito melhor do que nós”… Esse tipo de comentário, são comentários que as pessoas enlutadas dizem que foram a pior coisa que elas poderiam ter ouvido ou poderiam ter lido, porque agora de fato elas leem, não é, nos comentários que são feitos no Facebook e muitas mensagens que recebem pela plataforma Whatsapp. Então, vamos evitar este tipo de comentário porque ele não ajuda; ao contrário: ele atrapalha o processo de luto de uma pessoa que acabou de perder alguém muito querido.}

Apresentadora:

Dica 4? [sonzinho] Cuidado com a curiosidade!

Nazaré Jacobucci:

{muitos enlutados dizem que ficaram perplexos quando alguém ficou tentando saber ali, na mídia, do que a pessoa tinha morrido. E esta pessoa enlutada ficou muito desconfortável porque ela não queria falar sobre o motivo da morte do seu ente querido}

Apresentadora:

Eu queria trazer um aspecto agora aqui em situações de adoecimento grave ou de terminalidade em si… “Vai passar” ou “vai ficar tudo bem” são frases que trazem ares de promessa pra uma situação que, na verdade, é incerta. E assim chegamos ao ponto cinco [sonzinho]:

Nazaré Jacobucci:

{Eu penso que quando uma pessoa comunica um adoecimento também precisamos ser sucinto no nosso comentário. E como nós não temos o controle de absolutamente nada, né, a gente não tem o controle sobre a vida, a gente não tem o controle sobre os desdobramentos que poderão ocorrer num processo de adoecimento. Principalmente no processo de um adoecimento de uma doença grave. Vide agora o que nós estamos vivendo com a Covid-19. Comentários como “vai passar”/ “vai ficar tudo bem”… ahm… eu tenho um pouco de reserva com estes comentários… É claro que eu não tenho dúvida que a pessoa, quer dizer, a intenção da pessoa é passar uma energia positiva para a outra que ta doente, né? E ter esperança é algo bacana! Então ter esperança é algo, inclusive, importante. No entanto, eu primo sempre pelo bom senso, pelo equilíbrio entre esperança e realidade. Esse equilíbrio entre esperança e realidade, ele é importante. Ele é importante pra gente não ter um processo, não é, depois de frustração. Então o importante é estar à disposição do outro, sempre que possível. Tem um ponto que eu acho muito importante, né, que é a gente saber em que estágio está a doença. Qual o grau de gravidade, né, porque se a pessoa, essa doença, está num estágio muito avançado, né, então nós precisamos ajustar as nossas expectativas. Por exemplo, se é uma doença que não tem uma terapêutica de cura, então essas expectativas precisam ser ajustadas, não é, entre a esperança e a realidade. Então é neste momento que precisamos estar ao lado do outro, lhe dando afeto e lhe dando suporte para este momento tão difícil}

Apresentadora:

A primeira parte da nossa listinha já foi, dessa interação entre postagens e comentários. Mas agora eu queria avançar pra uma questão mais ampla: você já parou pra pensar no seu LEGADO DIGITAL? É a dica SEIS [sonzinho]:

Nazaré Jacobucci:

{É tudo aquilo que nós temos em termos de contas online, então aqui entra tudo. Entram as contas de mídias sociais, entram, também, as contas, por exemplo, conta bancária. Que hoje está praticamente tudo no sistema online. Entram os seus arquivos. Então, quando a gente fala de legado digital nós colocamos na categoria Sentimental, não é, então suas fotos, seus vídeos, seus documentos. Aí você vai ter uma outra categoria, que é a categoria Monetária: então contas de PayPall, contas bancárias, cartões de crédito, também uma conta de Youtube, porque muito Youtube tem uma rentabilidade daquela conta. E nós temos também a categoria de Documentos, que são os documentos que estão digitalizados, plataformas que utilizamos para o arquivo de documentos, então, tudo isso, tudo o que está online, tudo o que nós estamos criando online é o nosso legado digital e, claro, as plataformas de mídias sociais. Então, Instagram, LinkedIn, Facebook, tudo isso faz parte do nosso legado digital. E é legado por quê? Porque depois que morremos fica como a nossa herança.}

Apresentadora:

Pra pensar sobre isso, não tem jeito: temos que encarar a nossa finitude. Mas eu acredito que, se você chegou até aqui nesta conversa, já temos meio caminho andado e você sabe que um dia vai morrer. É aí vem que vem a orientação SETE [sonzinho]: que tal pensar em modos de facilitar a vida dos seus familiares e que seus desejos sejam cumpridos após a sua partida?

Nazaré Jacobucci:

{As pessoas não gostam muito de fazer testamentos, não é, só que hoje nós já trabalhamos com a questão do testamento para as diretivas de vontade, ou seja, um testamento em que você vai dizer o que você quer que seja feito com todo o seu legado digital, com todas as suas contas. E um familiar, não é, que não possui uma senha, isso pode ser um estressor no processo de luto. Porque a pessoa, ela fica ansiosa, não é, ela já tem tantas tarefas pra fazer, e essa é uma tarefa burocrática. Então, se a pessoa não deixou o que gostaria que fosse feito e muito menos as senhas, por exemplo, a senha do Facebook, a senha do Instagram, vai dar um pouquinho de trabalho para a pessoa administrar, mas todas essas plataformas possuem uma política para encerramento de conta após a morte do usuário. Então, por exemplo, o Facebook tem um documento e você vai ter que mostrar se você não for o herdeiro digital desta pessoa. Porque o Facebook, ele permite que você tenha um herdeiro digital. Está lá nas configurações do Facebook. Você escolhe um herdeiro que vai administrar a sua conta ou vai encerra-la. As outras plataformas não possuem herdeiro digital. Então, a pessoa tem que entrar nas configurações, na política de configurações de cada plataforma e enviar uma série de documentos que comprove primeiro, o seu grau de parentesco com aquele usuário, o atestado de óbito, e mais alguns outros documentos, e fazendo uma carta, uma solicitação para que a conta seja excluída. Então é um processo burocrático e cansativo porque nós temos uma infinidade hoje de contas online. Então isso seria muito interessante se as pessoas pudessem já pensar em fazer uma planilha que contenha as contas online que possui mais as senhas e deixe isso com uma pessoa de confiança ou com quem queira, dizendo também o que gostaria que fosse feito. Por exemplo, do Instagram: quer que a conta permaneça ativa ou quer que a conta seja excluída? Então hoje o Facebook é a plataforma que oferece a possibilidade de um Memorial após a morte. O Facebook já tem um algoritmo que detecta, por conta de algumas palavras que são ditas, “sinto muito”, “muito triste”, algumas palavras que são colocadas o algoritmo já entende que aquela pessoa morreu. Então, automaticamente, a página já vira um Memorial.}

Apresentadora: Ponto final na nossa listinha do episódio de hoje e eu queria te deixar a sugestão pra conhecer o blog da Nazaré Jacobucci, que gentilmente falou hoje com a gente: perdaseluto.com, com uma série de informações e reflexões sobre a educação para a morte.

{TRILHA PARA A COLUNA DO TOM}

Apresentadora:

De volta das merecidas férias, nosso colunista Tom Almeida, pra gente ampliar um pouquinho a conversa do episódio de hoje. Bem-vindo de volta, Tom!

Tom:

{Olá, que saudade, to muito feliz de ta de volta aqui com vocês!}

Apresentadora:

Estávamos com muita saudade…! Tom, eu queria saber, pra gente continuar essa conversa que a gente tava tendo, em maio você lançou um guia de despedidas virtuais, justamente pra não substituir, mas oferecer o que era possível pra esse momento de pandemia. Seis meses depois, que balanço você faz?

Tom:

{Acho que tem um dado bastante interessante que acompanhando o site a gente sabe que perto de 15 mil pessoas entraram em contato com este conteúdo que a gente promoveu. Então eu não sei exatamente quantas destas pessoas promoveram as cerimônias virtuais, mas me alegre saber que este conteúdo chegou pra esse número de pessoas. É onde a gente abordava a importância de fazer esse ritual pro luto etc. Então, acho que esse é o dado mais importante, que essa mensagem chegou a um número bem interessante de pessoas.}

Apresentadora:

Teve algum aspecto que te surpreendeu nesta busca do enlutado por esta alternativa de despedida online?

Tom:

{Eu acho que teve uma questão, no início a gente pensava, e a orientação que a gente passava, de quem deveria organizar a cerimônia virtual — que a gente fala do núcleo familiar, que são as pessoas bem próximas, e a gente fala do núcleo estendido — e a gente falava que talvez o núcleo estendido, que é o tio, um parente mais próximo, esteja mais em condições de organizar isso. Mas, alguns contatos que a gente recebeu, eram do núcleo familiar, as pessoas mais próximas. Então a gente orientou uma coisa, mas na vida real o que chegou pra gente foi mais o núcleo. E outra coisa que foi bem bonita — e que eu tive a oportunidade de celebrar -, a gente celebrou duas cerimônias que foram uma celebração do aniversário da pessoa que havia morrido. Então o aniversário coincidia com poucos meses da morte da pessoa e daí, nessa celebração da vida, a gente criou espaço pra celebrar. Aquele dia do primeiro dia do aniversário em que as pessoas iam passar sozinhas, isoladas, elas convidaram vários amigos, vários familiares, e os depoimentos que eu recebi depois diziam que foi muito bom. Que foi um dia que foi bastante amoroso, que fez com que fosse mais cuidadoso que talvez na estrutura normal dos encontros isso não acontecesse}

Apresentadora:

Uhum… Muito bonito! Pra quem ainda não conhece esse guia, Tom, qual que é o caminho pela internet?

Tom:

{A gente tem o site, é rituais.infinito.etc.br}

Apresentadora:

E pra outras informações do inFINITO, no Instagram: @infinito.etc, você encontra todos os eventos, todas as conversas sinceras sobre o viver e o morrer que o Tom promove. Tom Almeida volta daqui a 15 dias aqui no Finitude. Um beijo, Tom!

Tom:

{Um beijo, adorei!}

{TRILHA FINAL}

Apresentadora:

Neste momento final deste episódio, queria te propor um check-list, vamo lá:

Já segue o Finitude no Instagram? Não? Então abre aí seu aplicativo…. Isso… Procura por Finitude Podcast. Apertou o botãozinho de “seguir”? Beleza…!

Agora se você tiver Twitter troca de site ou de aplicativo, busca por Podcast Finitude e repete o procedimento: aperta o “seguir” e vem :)

Aliás, outro conteúdo pra você seguir é o do Budejo, podcast parceiro do Finitude na Rádio Guarda-chuva, que é a primeira rede do Brasil a se dedicar exclusivamente a podcasts jornalísticos. Eles vêm de uma sequência bem boa, falando sobre a defesa do SUS, sobre o Caso Mariana Ferrer, várias discussões extremamente importantes pra gente alcançar novos degraus de civilização. O podcast que leva o Cariri aos seus ouvidos tem episódio novo toda quinta-feira aí na sua plataforma digital e áudio preferida.

Antes de dar tchau, queria deixar o registro de agradecimento pra Professora Luciana Dadalto, advogada, maior especialista em Testamento Vital do Brasil, que foi quem sugeriu o tema deste episódio. Musa: brigada, um beijo pra você ❤

A transcrição completa da edição do Finitude está no link do Medium na descrição deste episódio aí no seu tocador. Dá pra ler o conteúdo na íntegra, ta bom?

Terça-feira que vem eu te espero de novo por aqui. Brigada pela escuta, um beijo pra você!

{VH_B9}

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