Finitude Podcast — Luto gestacional e neonatal

15 min readOct 6, 2020

Perder um bebê é uma ocasião de muitos lutos. Muitas dores. Inclusive de onde menos se espera. Geralmente, até mesmo os mais próximos, na ânsia de tirar os pais daquela dor, os machucam ainda mais. Neste episódio, uma visita a uma espécie de um clube secreto do qual ninguém quer participar.

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O podcast Finitude foi criado por Renan Sukevicius e é apresentado por Juliana Dantas. O Finitude está no Instagram (@finitudepodcast) e no Twitter (@podcastfinitude). Para ser um apoiador, acesse www.apoia.se/finitudepodcast. O Finitude é um podcast da Rádio Guarda-chuva, que é a primeira rede brasileira dedicada exclusivamente a podcasts jornalísticos. O Finitude também é associado à rede B9. Episódios novos no seu tocador toda terça-feira. Você pode encontrá-los no Spotify, Orelo, Deezer, Apple Podcasts, Google Podcasts e demais agregadores. Para contatos comerciais, escreva para finitudepodcast@gmail.com.

ROTEIRO:

{Vinheta Rádio Guarda-chuva, que diz: este podcast é uma produção da Rádio Guarda-chuva. Jornalismo para quem gosta de ouvir. Por baixo, o som de um guarda-chuva sendo aberto, seguido pelo barulho de chuva}

VOZ DA APRESENTADORA, JULIANA DANTAS

Oi.

Hoje eu vou te apresentar aqui uma história que eu já queria contar há muito tempo, desde antes da pandemia.

Esse material precisou ficar guardado. E, de certa maneira, ficou marinando em mim. Aquele noite me mudou.

E ao longo do episódio eu vou tentar explicar o porquê.

Eu sou Juliana Dantas e você que ta aí na outra ponta do radinho me ouve por aqui desde a segunda temporada do Finitude. O ouvinte mais atento deve se lembrar: este podcast foi criado pelo jornalista Renan Sukevicius, uma das minhas pessoas da vida.

Meu amigo, meu padrinho de casamento, uma das minhas inspirações. A gente já dividiu muitas coisas na vida: o mesmo trabalho, algumas garrafas de cerveja, até apartamento. Também dividimos os mesmos períodos de tensão.

Eu, com o processo de terminalidade da minha avó materna e do meu pai ao mesmo tempo; ele, que perdeu as duas avós em menos de dois anos.

A gente também já teve o costume de dividir os microfones por aqui. Neste ano, o Renan não esteve com a gente, quem sabe um dia volta de vez.

Mas hoje, pelo menos neste episódio, vamos juntos de novo — ainda que à distância. Bem-vindo de volta um pouquinho, Renan!

VOZ DO JORNALISTA RENAN SUKEVICIUS

Oi, Ju. É bom estar de volta e saber que o Finitude tá sendo bem cuidado. Eu voltei porque quero, junto com você, Ju, contar uma história pros nossos ouvintes que ficou nas nossas memórias. Até porque parte desse programa aqui não pôde ser gravada. A gente vai precisar puxar na lembrança o que vimos e ouvimos naquela noite.

Voz de uma entrevistada feminina: é um clube secreto que ninguém quer participar.

RENAN

Essa que falou aí é a Damiana.

Renan pergunta: comé que c sai depois de uma sessão dessas?

Damiana: eu fico….. como se tivesse…. corrido uma maratona.

RENAN

A voz dela é a única além da minha e da Ju que você vai ouvir hoje.

Damiana: eu sempre saio… às vezes eu vou embora chorando no carro pra descarregar. às vezes de tristeza mesmo…

RENAN

A Damiana é quem coordena esse clube secreto. [lido com entonação de aspas]

Damiana: meu pai sempre me pergunta isso: filha, como vc consegue fazer isso?

JULIANA

Talvez você tenha imaginado mil coisas, né? Mas a Damiana Angrimani é psicóloga. E coordena sessões de terapia em roda com pessoas enlutadas.

Mas todo esse mistério e discrição não moram simplesmente nos relatos que ela ouve de alguém que perdeu outro alguém. É que as pessoas que frequentam essa roda de luto perderam filhos recém-nascidos ou ainda durante a gestação.

RENAN

O nono episódio da quarta temporada do Finitude já começou. E a gente te convida a ficar até o fim.

{VINHETA COM BARULHO DE TREM E AVIÃO}

RENAN

A roda de luto neonatal e gestacional aconteceu numa casa, num bairro da zona oeste de São Paulo, numa ruazinha estreita e sem saída. É uma ladeira de paralelepípedos.

Uma simpatia de lugar. Mas lá pode ser um inferno pra subir de carro num dia de chuva, por exemplo.

E esse cenário de bom e ruim parece o prenúncio que melhor desenha as histórias que virão daqui em diante. Mães e pais fazendo relatos de amor, de companheirismo, visivelmente saudáveis. Mas atravessados por episódios de muita dor, sentimentos não nomeados e tristezas profundas.

JULIANA

Eu fiquei meio baqueada logo quando entrei na casa. Pesquisando e falando toda semana sobre morte e luto, acabei ficando habituada a frequentar hospitais, até cemitérios, ou rodas de conversa sobre a morte. Mas ali a coisa parecia diferente. Era como se desse pra cortar a tristeza no ar com uma faca. E agora, um ano depois, eu ainda lembro daquela sensação com clareza e não encontro definição melhor.

A gente entrou numa sala. Havia cadeiras dispostas em círculo. Éramos nós dois, a Damiana, um casal formado por um homem e uma mulher, entre os 30 e 40 anos, e uma moça com seus 20 e poucos — que é casada, mas tava sozinha.

RENAN

Ter pouca gente na sala fazia com que todos tivessem mais atenção uns nos outros. E isso tornava os silêncios um pouco constrangedores também, pelo menos pra mim.

Ficamos os dois, de ouvintes. Com o gravador desligado.

JULIANA

A gente pediu licença pra estar ali. Contamos que partimos pra empreitada de fazer o Finitude a partir dos nossos próprios lutos. Todos, mesmo visivelmente mergulhados em dor, foram receptivos e nos permitiram ficar.

A moça que foi sozinha contou que ela e o marido descobriram que o bebê que esperavam crescia com uma anomalia rara. Dentro do útero, ele tava a salvo — mas, claro, no máximo por 9 meses. Quando nascesse, não teria como respirar. E os pais tiveram que tomar a decisão de interromper ou levar aquele sofrimento a diante. Interromperam.

RENAN

Do outro lado da roda, os pais que eram dois grandes pontos de interrogação: o bebê deles, que se desenvolvia de maneira saudável, de um dia pro outro, deixou de viver. E os dois procuraram muito, mas não tinham encontrado um médico sequer que desse alguma explicação sobre aconteceu.

JULIANA

Os três participantes da roda contavam suas histórias meio que se justificando: “ah, eu sei que foi por pouco tempo, mas foi importante…” / “só x semanas, mas….” / “a gente nem conviveu, mas é como se fosse…” — Como se fosse, não.. Eram mesmo.

Mãe e filho. Pai e filho.

Um turbilhão de sonhos, expectativas, desejos; amor, muito amor.

Como diria Manuel Bandeira, a vida inteira que poderia ter sido e que não foi.

RENAN

E fora essa dor em si, existe uma dor social envolvida. A perda gestacional gera um luto que quase não é reconhecido como tal. Uma espécie de luto não-autorizado, ou um luto invisível.

E a Damiana vai explicar melhor isso pra gente já, já aqui nesse episódio. Não só porque ela é uma profissional de saúde mental. Mas porque ela sentiu na pele os relatos que nós ouvimos naquela sala.

A gente volta já.

Trilhinha breve

Intervalo:

JULIANA
Uma pausa rapidinha pra te contar que o Finitude faz parte da Rádio Guarda-chuva, que é a primeira rede brasileira de podcasts exclusivamente jornalísticos. Nas redes sociais você encontra a gente como @guardachuvapod, tanto no Twitter quando no Instagram.

O Finitude depende única e exclusivamente de um financiamento coletivo, que você encontra em apoia.se/finitudepodcast. A partir de 10 reais já é possível colaborar e aí recebe a nossa newsletter toda quinta-feira.

Volta entrevista da Damiana:

quando eu tive a minha perda eu não tive isso de ninguém. eu ouvi da minha terapeuta que eu tava chorando à toa… não tinha muito pq… era só um combinado genético, não era um bebê.

JULIANA

Essa é a Damiana de volta.

Damiana: pq eu tinha perdido no primeiro trimestre. pq eu chorava muito, segundo ela. pq eu tinha perdido em maio, era agosto e eu ainda tava reclamando, né.

JULIANA

E esse é o relato sobre a perda gestacional dela.

Damiana: depois disso eu comecei a voltar meus atendimentos pra essa área exatamente por causa disso: deve ter um outro jeito de atender as pessoas. o meu desejo quando eu to numa roda dessas é que as pessoas se sintam acolhidas, ouvidas.. pra qq coisa que elas possam trazer, sabe. não é um momento de superação. pq isso, fora daqui, todo mundo manda as pessoas superarem. ‘nossa, mas já faz uma semana. já faz um mês. já faz um ano, já faz 10 anos’. e eu não acredito muito nessa coisa do luto patológico… eu acredito que o luto é um processo muito individual. é um processo que tem que ser muito respeitado. e que não tem uma linearidade pra acontecer. é importante que a gente tenha esses espaços pra que as pessoas possam vir aqui contar sobre os seus lutos independentemente de como sejam.

RENAN

E o luto gestacional no primeiro trimestre sobretudo costuma ser muito comum. Esse período é bastante turbulento, podem rolar muitos episódios de enjoo, mal estar. Tem até médico que recomenda não sair contando pra todo mundo da gestação antes do fim do primeiro trimestre.

É capaz de sua irmã, mãe, prima, tia ou avó terem tido uma perda gestacional nesse período.

JULIANA

Damiana: Mas isso não é falado.

Damiana: no Brasil a gente tem muito a cultura do ‘levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima..’

JULIANA

Só que luto não tem que ser superado. E ainda que tivesse, não deveria ter um tempo estabelecido pra se chegar a essa superação.

Damiana: às vezes eu ouço assim: eu acho que eu superei. e eu deveria estar sofrendo. ou: nossa, mas já faz x tempos e eu ainda to sofrendo. então acho que essa régua social é muito sacana, pq nunca ta bom. se vc ta sofrendo pouco, vc deveria estar sofrendo mais. se vc está sofrendo muito é pq vc ta com problema. então não tem um meio termo… eu sinto que as pessoas ficam muito perdidas por isso. e tb pq não se fala muito disso, então não tem um modelo de experiência — apesar de eu não acreditar que exista um modelo de experiência de luto — mas assim: quando vc perde um bebê, primeiro que ninguém fala sobre isso, segundo que vc nunca quer que aconteça com vc. tem uma moça que vem nas rodas e fala assim: é um clube secreto que ninguém quer participar. pq todo mundo que ta ali sabe do que ta falando o que que ta sentindo, mas nunca queria ta ali.

JULIANA

É que esse luto neonatal e gestacional é quase sempre o luto da não-lembrança.

Damiana: quando a sua avó morre vc fala: ai, nossa, que saudade da minha vó, ela fazia macarrão com a máquina de macarrão… então vou tatuar uma máquina de macarrão pra lembrar da minha vó.. um bebê fica esse vazio da história não contada. dos sonhos não realizados, das projeções que nunca vão conseguir se concretizar. então… será que ela ia ser mais sorridente do que a irmã? será que ele ia ser mais quietinho do que a gente imaginou? não tem…. a gente vive com essas idealizações do que talvez poderia ter sido a história daquela criança, né.

JULIANA

Por isso, uma série de medidas podem ser tomadas pela equipe médica, pela família ou pela doula pra criar essas lembranças e ajudar na elaboração desse luto:

Damiana: ver o bebê é muito importante. passar pelo parto é muito importante. a nossa sociedade ta muito atrasada na questão da humanização do luto gestacional e neonatal. todos os lutos. mas esses também. e aí todo mundo acha muito mórbido: magina, vc vai ver um bebê morto? não é um bebê morto! é seu filho! e aí muitas vezes quando vc vê esse bebê e reconhece características da família, vc começa a escrever esse enredo, a dar contorno pra essa história. então assim: nossa, ela tinha cabelo, nossa ele tinha um olhinho parecido com o seu, né? então às vezes eu vejo os casais conversando sobre isso: vc lembra aquele dedo que era maior, igual ao seu do seu pé…. essa criança começa a pertencer a essa família, né. não é a criança que morreu. é a criança que nasceu com pouquinho cabelo e que tinha olhinho puxado…. então é importante que essas famílias vejam esses bebês…. 10:24 e assim, vejam de um forma digna. não vejo dentro de um saco. põe um gorrinho nesse bebê. que é um bebê que nasceu naquele hospital… como todos os outros. coloca um lençol nele. pq é um bebê. aquela família vai lembrar daquela imagem. e aí é muito mais tranquilo pra eles depois, né, lembrar desse bebê que veio como um bebezinho mesmo, recém-nascido, do que um bebê dentro de um saco, ou numa bandeja ou um bebê que é despersonalizado, né, um bebê que é, sei lá, como se ele fosse um cadáver… às vezes vem o bebê com o número do negócio no pé, sabe assim… não… não é esse o bebê que esses casais precisam ver. é o bebê deles. um bebê como qualquer outro. tem que ter muito respeito por isso. a marca dos pés e das mãozinhas faz muito sentido pq aí eles vão olhar praquilo, vão lembrar, vão conseguir concretizar um pouco desse bebê que não volta pra casa. vestir o bebê é muito importante… Alguns pais querem tirar uma mechinha de cabelo, outros não querem tirar nada do bebê. Tirar fotos desse bebê é importante.

JULIANA

Mas isso só acontece quando há uma equipe preparada pra dar esse suporte.

Damiana: primeiro — tira essas famílias da maternidade. Coloca um adesivo na porta, as pessoas batem o olho na porta. Desde a moça que vai retirar repor o papel higiênico até a médica do plantão. Todo mundo sabe o que ta acontecendo com aquela família. Até o moço que ta lá na portaria pra deixar entrar ou sair as pessoas. Não necessariamente profissionais da saúde só, tem que integrar todo mundo do hospital a esses protocolos.

RENAN

Maternidades são lugares em que bebês vêm ao mundo. Mas infelizmente há imprevistos.

Damiana: aqui tem uma dificuldade muito grande em lidar com o luto, né.

RENAN

A morte não escolhe hora, idade. Eu sei disso, você sabe disso.

Damiana: os bebês morrem.

RENAN

A nossa única certeza da vida não pode ficar de fora dos protocolos médicos e hospitalares.

Os bebês só podem viver. Só que os bebês morrem.

Damiana: muitas vezes na hora que acontece os pais não estão preparados… e por conta da nossa construção social parece que é tudo muito mórbido, então eles preferem não ver, não guardar. o que os profissionais de saúde precisam fazer: manter isso como um protocolo, então fazer como todos os bebês. Olha: ta aqui, vc tem ctz? não, não quero…. tudo bem. Tem alguns hospitais na Europa que eles mantêm o bebê por até dois dias… e aí essa família pode ver… e não um bebê gelado, roxo, um bebê que foi mantido numa temperatura que ele venha pros pais… não como um cadáver, mas como um bebezinho. Todas essas memórias são importantíssimas pra um processo de luto. Eu atendo gente desde que recebeu o bebê num saco plástico ou que teve o processo todo respeitoso. E eu percebo que o processo de luto é totalmente diferente quando a pessoa teve um luto respeitoso.

RENAN

Outra medida que precisa ser aplicada e que não exige protocolos é a compreensão de familiares.

Damiana: Quando a família entende que as pessoas precisam disso. Quando a família apoia esse processo, a elaboração vem muito mais tranquila do que aquelas famílias que dizem ‘ai, supera, Deus sabe o que faz, para de sofrer, vc não ta seguindo em frente’…. Quando tem o acolhimento de sentir a proteção em volta do casal… o desenrolar disso é muito mais tranquilo, muito menos doloroso, né…

RENAN

A escuta que a Damiana tem hoje foi só uma das coisas que faltaram quando ela mesma passou por uma perda gestacional.

Damiana: eu engravidei há 7 anos…

RENAN

Agora, são 8 anos.

Damiana: na nossa primeira gestação. eu tava gestante de 12/ 13 semanas.. e aí fui fazer um ultrassom e o bebê não tinha batimento……. e aí a gente saiu da sala de usg, a médica ficou nervosa… ‘já leva hj o laudo pro seu médico..’ Aí a gente saiu, a enfermeira que veio entregar o laudo falou “MEUS PARABÉNS!”. E meu marido: como assim parabéns, a gente perdeu o bebê?

E aí depois de um tempo eu comecei a ter sangramento e a gente foi pro hospital. E a gente chegou no hospital e todo mundo achando que a gente tinha provocado o aborto… mesmo que fosse o caso, num cabe a ninguém julgar. ‘olha, vc tem ctz que vc não tomou nada, pq se vc tomou, a gente pode te dar um medicamento aqui que pode acontecer alguma coisa com vc…’ 23:41 NENHUMA mulher, NENHUM casal tem que passar por isso… independente das escolhas que fez, né. é o corpo da mulher, esse corpo tem que ser respeitado, e não cabe aos profissionais de saúde que estão lá julgarem isso, né.

passou. então não tinha saído tudo, ficou 9mm de endométrio… primeira vez que eu descobri que não tinha batimento em maio e eu fiz a curetagem em agosto.

JULIANA

Falando de maneira simples, a curetagem é uma espécie de limpeza interna nos órgãos reprodutores da mulher que sofreu um aborto. Um procedimento médico delicado e que exige anestesia. Os dias seguintes podem — e provavelmente serão — doloridos. Tanto física quanto psicologicamente.

Damiana: me colocaram na sala de recuperação com as mulheres que tinham acabado de ter bebê. E… no corredor de maternidade. Todos os quartos tinham enfeite de bebezinho, menos o meu pq eu tinha perdido o meu bebê. E na frente do meu quarto era um berçário. Sabe quando aquela coisa não ta casando com o que vc ta sentindo e vc não sabe exatamente o que que é? E aí eu falei: não, gente, eu já era psicóloga, mas eu trabalhava com criança nessa época. E aí eu falei: não, deve ter outro jeito de fazer isso.

Parei de atender e comecei a estudar a humanização do nascimento, comecei a ler materiais de humanização do luto… e aí eu comecei a perceber que foi tudo errado, por isso que eu tava incomodada.

não dá pra entrar numa fantasia de ‘ah, não, não vamo falar da morte’. a morte acontece, ela existe. a gente tem que ter um espaço pra isso, né.

ai, que legal, trabalho com o que eu amo. trabalho. mas preferia não ter sofrido o que eu sofri. preferia trabalhar com o que eu amo, assim, ter sido super respeitada durante o meu processo de perda. e eu acho que é possível a gente aprender no amor, né. a gente não precisa aprender na dor. eu aprendi na dor, mas eu não quero que as pessoas aprendam na dor, é por isso que eu faço esse trabalho.

Juliana pergunta: vc tem quantos filhos?

Damiana: Meu bebê que eu perdi e tenho a Manuela e a gente ta começando um processo de adoção agora.

RENAN

Isso, em 2019. E agora, em 2020, hein, Damiana?

{Áudio gravado pela Damiana contando que a visita estava marcada para 19 de março, mas foi cancelada, justamente porque era o início da pandemia. O processo deve ser retomado nas próximas semanas}

RENAN

A pandemia mudou também os atendimentos dela. Tudo ficou virtual, inclusive os grupos de luto. Ela tá agora num coletivo chamado Mães para Sempre, com vários mediadores. Para entender como funcionam, é só buscar pela Damiana no instragam por arroba dami-angri

JULIANA

Desde aquele dia, eu não parei mais de pensar neste luto desses pais e mães. E da desumanização em todo o processo. Às vezes dos hospitais, às vezes até mesmo de quem é mais próximo. Na ânsia de tirar a pessoa que a gente ama daquele sofrimento, machucamos. A ponta final disso tudo acaba numa sala de velório, num enterro ou numa cremação.

Voz do Fininho: É um enterro que ninguém quer fazer.

Hoje é dia do Fininho por aqui. Coveiro. Filósofo. Colunista do Finitude.

Conversei com ele sobre o tema deste episódio e ele me falou justamente sobre a sensibilidade necessária pra uma situação como essa. Aquela que parece subverter a chamada ordem natural da vida.

Fininho: A experiência manda isso. Ter tato, perceber qual é o momento certo pra fechar o caixãozinho. Momento certo pra fazer o enterramento. Como pegar. A melhor coisa a se dizer é nada. O sepultamento tem que ser humano. A proximidade com a pessoa vai além do profissional.

JULIANA

Essa tal ordem natural da vida é, na verdade, baseada naquele nosso desejo de morrer com 100 anos, sem dor, numa cama quentinha. Puf. Deitar e não acordar mais. Mas a gente sabe que este não é o destino de muitos de nós. A maioria, até, talvez.

Tudo o que é vivo pode — e vai morrer. O “quando” é que é uma incógnita. A morte de um bebê sacode todas as nossas certezas e nos lembra da fragilidade delas. E da própria vida.

Fininho: A impressão que se tem é o final de uma esperança, o fim da esperança.

ENCERRAMENTO

JULIANA

A gente vai ficando por aqui. Renan, obrigada por estar comigo pra contar essa história. Você promete que em algum momento volta pra ficar?

RENAN

Vou pensar no seu caso, Ju — risos

Eu que agradeço. Até uma próxima, gente!

JULIANA

Na semana quem, na nossa série Como Lidar, vamos continuar nesse assunto. Serão dicas preciosas de como lidar com alguém que passou por luto neonatal e gestacional. Até lá, a gente se fala pelo Instagram finitudepodcast e pelo Twitter podcastfinitude.

O roteiro completo, inclusive com a transcrição da entrevista, está lá num link do Medium na descrição deste episódio. Assim, nosso conteúdo é acessível também para pessoas com deficiência auditiva.

Brigada pela escuta, um beijo pra você.

RENAN

Tchau!

{Vinheta com várias vozes que dizem: este podcast é apresentado por b9.com.br}

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